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Os anjos maus da nossa natureza – parte 3

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Por Maurício Sellmann

Esta é a última parte de uma série de textos sobre linchamentos e comportamento de manada, decifrados pela ciência e pelas artes. Aqui, você encontra a parte 1. A segunda parte está neste link.

Com a peça As Bruxas de Salem (The Crucible, 1953), Arthur Miller dramatiza os eventos que levaram ao enforcamento de dezenas de pessoas no vilarejo de Salem, estado de Massachusetts, sob acusações de bruxaria e satanismo em 1692. Após serem flagradas dançando em volta de uma fogueira no meio do mato, algumas adolescentes do lugar alegam estar sob o efeito de um feitiço maléfico. Logo, dizer que estavam possuídas se torna uma verdadeira mania entre as garotas. Embora algumas pessoas percebam naquilo apenas uma brincadeira que vai longe demais, a maioria dos aldeões leva tudo a sério.

As meninas acabam atribuindo seu comportamento a um bom número de mulheres de Salem, afirmando que se tratam de bruxas. Dedos apontados, começam as prisões. Tenha em mente que esta é uma comunidade puritana, nos primeiros (e difíceis) quarenta anos da colonização norte-americana. Numa cena do segundo ato –  retirada pelo autor após a montagem original –, John Proctor, cuja esposa encontra-se entre os réus, confronta uma das acusadoras, Abigail Williams, que alimenta o desejo de voltar a ser sua amante. Pressionada por Proctor, Abigail reage:

“Eu costumava chorar por meus pecados quando o vento levantava minha saia; e enrubescia de vergonha porque uma Rebecca velha me chamava de libertina… Despidos como algumas árvores no inverno eu os vi todos – caminhando como santos para a igreja, correndo para alimentar os doentes, e hipócritas em seus corações! E Deus me deu forças para chamá-los de mentirosos, e Deus fez os homens ouvirem a mim, e, por Deus, eu limparei o mundo pelo amor Dele!”

Os adultos reprimiam e menosprezavam Abigail. Na sua indignação, a jovem revela inadvertidamente que sua missão divina não passa de uma vingança pessoal. As acusações de bruxaria deram-lhe (e às outras meninas) a possibilidade de mudar a dinâmica social na vila: Deus fez os homens ouvirem-na – Deus e a justiça dos homens, que naquela época e naquele lugar, eram a mesma coisa. Poder ilimitado, pois se Deus era o parâmetro, suas ações respondiam a uma lei metafísica, fora do alcance terreno.

Ao descobrirem isso, as garotas de Salem tomam gosto pela coisa e não querem voltar atrás. Quando uma das jovens, Mary Warren, ameaça contar a verdade aos juízes do caso, Abigail finge estar possuída outra vez, no que é seguida imediatamente pelas outras garotas, sem combinação prévia. Mary pede-lhes que parem. Em resposta, elas passam a repetir tudo o que Mary diz; gritam. Falam de visões demoníacas, que os magistrados começam a enxergar também. Em pouco tempo, envolvida pela loucura coletiva, Mary faz o mesmo. Apontam para Proctor, que é preso. Enquanto berram, não há amarras, não há vergonha, não há obstáculos. O poder as intoxica.


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O poder de desafiar o Estado, aplicar a própria justiça, aplacar o desejo de vingança em qualquer coisa que esteja pela frente – tal é a atração para os participantes de um linchamento. O comportamento de manada dá às pessoas comuns uma sensação de potência que lhes é normalmente negada. Como observou o primatologista Frans De Waal, as pessoas jogam a inibição para o espaço quando estão no meio de uma turba barulhenta.

O medo persistente das consequências negativas sustenta nosso raciocínio moral, mas fazer parte de uma multidão dá a chance de o indivíduo se tornar invisível. As chances de se prender e condenar os membros de uma turba são pequenas em relação a crimes individuais ou de pequenos bandos – e a maioria dos países, como o Brasil, não tem legislação específica para linchamentos. A multidão garante a liberdade para o exercício da força, por mais imoral que seja. Basta que alguém aponte o dedo.

No romance O Dia do Gafanhoto (Day of the Locust, 1939), a multidão, espremida nas ruas para ver os astros em mais uma estreia de filme num cinema de Los Angeles, transforma-se numa turba justiceira ao ver um homem com problemas mentais pisoteando um garoto até a morte. Esta é a deixa para atacar o agressor, mas não só. Uma jovem é molestada por um homem. Arrastada pela multidão descontrolada, é atacada por outro. Num grupo um pouco afastado, alguém comenta com uma mulher com naturalidade: “Você está no meio de um tumulto.” Já em Admirável Mundo Novo (Brave New World, 1932), um homem ataca uma mulher num acesso de loucura. A multidão que o cerca, sob o efeito de um forte psicotrópico, interpreta aquilo como sinal para fazerem o mesmo enquanto se entregam a uma dança frenética. Nos dois romances, o poder sem controle se torna, ele próprio, uma droga.

E por falar em droga, o autor de Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley, fez uma palestra sobre um tranquilizante em 1956 e aproveitou para analisar a multidão. “Um homem na multidão perde sua identidade pessoal e esta, claro, é a razão pela qual ele gosta de estar no meio da multidão”, argumentou. Nesse estado, o indivíduo é capaz dos maiores atos de violência, como se houvesse tomado dose cavalar de uma droga poderosa: “Como o álcool, o veneno da manada é ativo e desinibidor.” A turba proporciona ao ser humano férias de sua complexa individualidade.


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Agora, a multidão ferve e cresce na internet antes de alcançar as ruas. Voltando aos casos de Dimapur e Guarujá, percebe-se bem isso: as fotos das vítimas foram repassadas milhares de vezes nas redes sociais antes que o caldeirão de animosidade entornasse no mundo de carne e osso. A rede, como se sabe, nunca dorme. Lá do meio do século passado, o Nobel de Literatura Elias Canetti tinha algo a nos dizer sobre esse fenômeno do século XXI, mesmo que ele não o soubesse. De seu ensaio Massa e Poder (Masse und Macht, 1960):

“A multidão pronta para a caça conserva-se no público leitor de jornais, numa forma atenuada, é verdade, mas devido à sua distância dos eventos, também mais irresponsável. Fica-se tentado a afirmar que é a mais deplorável e, ao mesmo tempo, a mais estável forma desse tipo de multidão. Como eles nem precisam se reunir, o grupo escapa da desintegração. Garante-se a variedade com a reaparição diária dos jornais.”

Os jornais impressos foram suplantados pelas redes sociais. A tela do computador torna o mundo ainda mais virtual que o papel do periódico. O engajamento constante permite que uma notícia circule com maior rapidez. Tudo parece tão mais fácil, inclusive fazer justiça – ou justiçamento – com as próprias mãos. 

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Eis mais uma historinha para colocar a situação sob perspectiva: você é um bioquímico renomado, digamos mesmo vencedor de um Nobel de Medicina. Convidado a falar num evento para jornalistas de ciência, digamos na Coreia do Sul, faz uma brincadeira autodepreciativa sobre “meu problema com garotas”, claramente se referindo de forma jocosa – você usa a formula “agora, falando sério” logo depois – à história de como conheceu e se apaixonou por sua esposa. Uma jornalista presente imediatamente escreve no Twitter que você se referiu ao “problema das garotas” na área científica. Ela continua, apoiada por outros dois colegas de profissão, a mandar mensagens onde afirma também, entre outras coisas, que você agradeceu às mulheres por terem feito o almoço. Embora outras pessoas presentes tenham, ao mesmo tempo, tuítado mensagens que contradizem a versão da jornalista, elas se perdem em meio à avalanche (ou twitterstorm) provocada pela mensagem original.

Enquanto você está tomando o avião de volta para sua casa, ainda inocente de todo esse movimento, uma indignação virtual de grandes proporções já o transformou num monstro misógino. Pressionada por essa reação, a instituição à qual pertence, antes de ouvir qualquer palavra sua sobre os fatos, chama sua esposa, também uma renomada cientista, para ouvir uma ameaça: ou você renuncia ou vai ser demitido. A sede de justiça na Internet não pára de crescer. Quando você chega em casa, só lhe resta fazer o que mandaram. Fim.

Desta vez, não é um filme. Sir Tim Hunt é o personagem principal desta história, juntamente com sua esposa, a professora e imunologista Mary Collins. Hunt era pesquisador honorário da University College London, um dos maiores defensores de direitos das mulheres no Conselho Europeu de Pesquisa (ERC, na sigla original), mentor de várias cientistas que defenderam sua reputação veementemente nos dias que se seguiram. Quando apareceram as evidências de que a jornalista Connie St. Louis havia se equivocado, já era tarde demais. Até a Revista Piauí, no Brasil, pisou na bola com um artigo, no mínimo, parcial. A UCL recusou-se a fazer um mea culpa, mesmo frente ao apelo de cientistas do mundo inteiro que conheciam Hunt, e ao pedido de desculpas de quem ajudou a propagar a onda raivosa original. E a irresponsável turba virtual partiu para o próximo justiçamento, sem se importar com o estrago que tinha deixado para trás.

A história de Sir Tim Hunt já havia sido, de certa forma, contada antes. Ecoa muitos aspectos da história de Coleman Silk, professor do fictício Athena College e personagem do romance A Marca Humana (The Human Stain, 2000), de Philip Roth. Certo dia, ao fazer a chamada, indagou aos presentes sobre dois estudantes que nunca haviam assistido uma aula sequer. “Alguém conhece essas pessoas? Elas existem mesmo ou são spooks?” A palavra spook significa “fantasma”, mas também funciona como uma gíria agressiva para “negro”. Para azar do professor, os ausentes eram, de fato, negros e acusaram-no de racismo. De nada adiantou Silk argumentar que jamais vira os alunos e que, portanto, estava claro que os chamara de fantasmas. Sendo ex-reitor de Athena, ele também colecionara inimigos “nem um pouco tristes” com a situação.

Cena da adaptação para cinema de A Marca Humana (2003).

Cena da adaptação para cinema de A Marca Humana (2003).

Cinco meses de pressões, declarações e defesas acabaram causando a morte de sua esposa. Caso A Marca Humana fosse ambientado hoje, a twitterstorm, ao menos, provocaria sua demissão em 24 horas. A dinâmica apenas acelerou-se com os anos, porém sua essência permanece a mesma. Herb Keble, um professor negro e amigo de Silk, explicou-lhe por que não poderia ajudá-lo: “Não posso estar nessa com você, Coleman. Eu tenho que estar com eles.” Fazer parte do grupo – e obter a sua aprovação – torna-se mais importante que fazer o certo. A ironia maior da história é que Silk era um negro que se passou por branco para subir na vida.

“Eu tenho que estar com eles”: o justiçamento virtual faz as pessoas se sentirem parte de um grupo “do bem” assim como também faz muita besteira. A história de Hunt não é exceção. Para cada caso de humilhação de criminosos de verdade, há um número igual contra inocentes. Recentemente, um pai de três filhos de Melbourne, Austrália, viu-se ameaçado e xingado nas redes sociais como “pedófilo” e “pervertido”. Seu crime? Tirar uma selfie na frente de um retrato de Darth Vader para enviar a seus filhos. Havia duas crianças sentadas um pouco atrás do Darth Vader de papelão. A mãe, que não estava ali na hora, perguntou aos filhos sobre o homem que já havia se afastado. Crianças sendo crianças, ofereceram-lhe um relato sobre o acontecido que poderia ser interpretado de qualquer forma. A mulher, então, avisou os seguranças da loja e a polícia de sua suspeita (adequado), tirou uma foto do sujeito e divulgou no Facebook como sendo de um tarado (não, não, não, não, não).

Quando a polícia alcançou o “suspeito” para averiguar a situação, sua vida pessoal e a de seus filhos já tinha sido virada de pernas para o ar. Eventualmente, a acusadora original substituiu a acusação por uma retratação na sua página. No entanto, o pedido de desculpas foi visto por menos de um quinto do número de pessoas que havia visto o primeiro texto.

Liz Hawryluk organizou um boicote no Facebook a um DJ da Carolina do Norte, EUA, que insistia em tocar Blurred Lines, de Robin Thicke, uma espécie de Mr. Catra norte-americano. (Thicke: “Eu vou te dar algo tão grande que vai partir sua bunda no meio”. Catra: “Minha calça tem um furo, para meu, humm, passar”.) A música era realmente agressiva, contudo quem pagou um preço alto foi Hawryluk, ameaçada e xingada na internet até hoje. O cidadão que escreveu o impublicável sobre a jovem, por exemplo, provavelmente pensava que estava defendendo a liberdade de expressão do DJ ou de Robin Thicke. Alguém certamente vai objetar, dizendo: “Se você está na internet, não pode ter couro fino”. Mesmo assim, boa sorte em tentar desenvolver uma casca grossa lendo ameaças de morte ou estupro, ou sendo chamado de tarado, vagabunda, imbecil sexista, etc. centenas de vezes, 24 horas por dia, 7 dias por semana. O justiçamento social virtual frequentemente descamba para o linchamento-humilhação. Nesse ponto, não se diferencia da turba do cyberbullying, cuja lógica também segue a “purificação” do grupo.

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Três obras recentes traduziram visualmente o processo do cyberbullying. No filme polonês O Quarto do Suicídio (Sala samobójców, 2011), a vida de um adolescente torna-se um inferno quando revelam na rede um episódio embaraçoso ocorrido na escola. A versão da MTV para Pânico (Scream, 2015) começa com a filmagem escondida de duas garotas se beijando. O vídeo, postado na internet, logo viraliza e a humilhação transcende os limites da escola. Num episódio de CSI: Cyber (2015), uma garota desaparece após ser ridicularizada repetidamente online. A agente Avery Ryan (Patricia Arquette) fala em suicídio. Na vida real, essa foi a saída encontrada pela canadense Amanda Todd, 15 anos, pelo norte-americano Jadin Bell, também 15, e pela brasileira Francielly Santos, 19 anos. Fotos íntimas expostas à revelia, palavrões, ameaças de conhecidos e estranhos. Vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. Com a internet, a turba não precisa se dispersar. O anonimato aumenta o poder de uma matilha ansiosa por expulsar os Outros. Não por acaso, Audrey (Bex Taylor-Klaus), a estudante humilhada em Scream, contra-ataca indo à escola com uma câmera em punho para tirar das sombras os eventuais bullies.


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No seu discurso de posse, o presidente Abraham Lincoln mencionou os “anjos bons da nossa natureza” para pedir aos norte-americanos que se unissem, apesar das paixões. As turbas justiceiras são a imagem em negativo dessa união, guiadas justamente pelas paixões que Lincoln queria evitar. Movida pela emoção extrema, a multidão não enxerga nada mais que não seja a si mesma. 

Richard Dawkins defendeu, certa vez, que o egoísmo no ser humano é inato, mas a generosidade precisa constantemente de construção. Podemos arriscar uma extrapolação com a empatia, algo limitado quando o indivíduo coloca seus desejos e instintos à frente. Talvez aqui esteja a chave para fazer as turbas definharem.

Em seu polêmico livro Os Anjos Bons da Nossa Natureza, Steven Pinker argumenta que o declínio da violência se deve muito ao desenvolvimento do autocontrole, da prudência, do senso de justiça e da razão nos seres humanos – alguns dos anjos bons de Lincoln. A evolução do conceito de direitos humanos é um bom exemplo. Aposte seus 10 centavos que há um motivo especial para essa mudança: a sobrevivência da espécie. Desde a revolução industrial, a humanidade vem convergindo para a vida em grandes centros urbanos. À medida que vivemos em grupos cada vez maiores, precisamos negociar mais diferenças num mar de individualidades. No século XVI, o filósofo Michel de Montaigne já dizia que a empatia é a virtude social mais importante. Cidades cada vez mais segregadas e uma vida virtual em que nos aproximamos somente de quem pensa igual – tudo isso empurra-nos na direção contrária. Se a outra pessoa é um estranho, torna-se mais fácil vê-lo como um objeto descartável e se perder na mentalidade de uma massa uniforme.

yearbookO comportamento de manada e o desejo de supremacia fizeram implodir a comunidade de meninos perdidos de O Senhor das Moscas (Lord of the Flies, 1954), porém a ficção popular volta e meia sugere umas utopias possíveis. Na escola dos mutantes de Charles Xavier, das histórias em quadrinhos dos X-Men, criados em 1963 por Stan Lee e Jack Kirby, as diferenças traduzem-se em poderes sobre-humanos, que os estudantes aprendem a treinar e dosar no seu dia-a-dia. A pacífica e funcional Federação dos Planetas de Jornada nas Estrelas (Star Trek), criada por Gene Roddenberry em 1966, não se distancia muito do objetivo que a ONU um dia espera alcançar. Na Salvador mítica de Dona Flor e Seus Dois Maridos, também de 1966, Jorge Amado nos apresenta o Largo Dois de Julho, onde praticantes de candomblé se misturam a católicos, e a baixa e a alta burguesia convivem com prostitutas, malandros e gente mais modesta. Razão, autocontrole e empatia precisam de um ambiente de escolhas para se desenvolverem.


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Acontece que essas são ideias para o longo prazo. Enquanto isso, o que fazer para desarmar uma multidão hoje? Um tanto de coragem, em primeiro lugar. No livro O Sol É para Todos (To Kill a Mockingbird, 1960), de Harper Lee, a pequena Scout salva o pai advogado e seu cliente negro de um linchamento por moradores de uma cidadezinha do Alabama, EUA. Ela o faz chamando um dos agressores pelo nome e fazendo-lhe perguntas triviais, como se estivessem batendo papo na frente de casa. De repente, ela percebe que, ao se dirigir a ele, estava falando com o grupo todo. Envergonhados, os homens baixam as cabeças e voltam para casa.

Embora estejamos vivendo numa época de sectarismo, talvez não seja o caso de imaginar que, se Harper Lee escrevesse O Sol É para Todos hoje, Scout teria sacado seu celular para tirar umas fotos e enviar pelo Whatsapp enquanto a multidão linchava seu pai e o negro Tom. Ainda há pessoas que prontamente chamam a polícia quando veem a turba se formando.

A estudante Mikhaila Copello, pelo menos uma década mais velha que Scout, tomou um caminho um pouco diferente para evitar o linchamento de um ladrão de celular em Freguesia, zona oeste do Rio de Janeiro. Posicionando-se entre a vítima e os agressores, ela gritou: “Vocês não são Deus, não podem julgar quem morre e quem vive.” Lembrou-lhes, pois, que não eram um, mas sim um conjunto de “vocês”, vivendo numa sociedade que não lhes deu o direito de se tornarem juiz e carrasco. No papel de dois anticorpos mirrados, porém bastante eficientes, Mikhaila e Scout neutralizaram o vírus da turba nos agressores, resgatando-lhes sua individualidade e a sua humanidade.

Há várias maneiras de resistir à epidemia das multidões. Charles Baudelaire, num dos poemas em prosa de O Spleen de Paris (Le Spleen de Paris, 1869), recebe de um demônio a oferta tentadora de “prazer, infinitamente renovado, de escapar de si mesmo e esquecer-se nos outros, e de atirar-se noutras almas, ao ponto de não poder mais distingui-las da sua”. O poeta francês recusou dizendo que não queria deixar de ser ele mesmo porque “embora tenha muitas coisas vergonhosas de que me lembrar, não quero esquecer nada.”

Pois sim, quando começar a sentir os sintomas da turba – esquecimento de seus códigos morais, o coração inundando o cérebro com sangue o bastante para você querer sujar as mãos, a fascinação por alguma palavra de ordem que envolva agressão física e verbal a uma outra pessoa, a sensação intoxicante de pertencer a um grupo maior –, faça o seguinte: em voz alta ou baixinho para si mesmo, comece a recitar sua vida, as coisas boas, as coisas ruins, os embaraços e os sucessos, os medos, as alegrias. Se estiver na rua, respire fundo, afaste-se do grupo e observe-o à distância (e chame a polícia, claro). Se estiver na frente do computador, apague aquela mensagem violenta que acabou de escrever, feche a tela e não se esqueça de nada.

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