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Prêmio “Não É o Oscar” 2018

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Um peladão alternativo, na cerimônia do Oscar de 1974.

Os prêmios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood nunca erram: sempre erram na opinião de alguém. Seja premiando o mais fraco dos candidatos, ou depois corrigindo o erro anos depois com um prêmio de consolação que esnoba um candidato superior, errar é humano mas persistir no erro é um Oscar. Esta capacidade de indignar é um dos charmes que faz com que as pessoas voltem e se fascinem com a mística da estatueta como quem aposta numa corrida de cavalos. Assim funciona todo prêmio. De qualquer forma, a Academia e seu Oscar levam vantagem sobre as premiações concorrentes porque, parafraseando a überdiva Norma Desmond,  eles têm rostos, e que rostos.

E há também aqueles que nem sequer foram indicados, apesar da excelência que os catapultou para a posteridade com a mesma força com que afogou diversos ganhadores da estatueta no lodo do esquecimento. Nem todo mundo pode contar com uma máquina de promoção ou jornalistas em busca de cliques — e, em certos casos, o artista pode se considerar sortudo por não contar com certos produtores-lobistas hábeis. Se nem prêmios literários conseguem dar conta de tudo, por que essa responsabilidade recairia na Academia, com seus gostos bem claros?

Para remediar algumas omissões do prestigioso Man Booker Prize, o jornal The Guardian criou o “Not the Booker Prize” (Prêmio Não É o Booker) de livros de ficção da língua inglesa. Por que não? Originalidade nunca foi nosso forte, nem números de audiência, então Salsaparrilha aproveita seu semianonimato para criar o Não É o Oscar, sem a mesma visibilidade — ou regularidade — que o seu contraponto mas cumprindo uma humilde função: alertar o leitor para a existência de filmes ou atuações que não conseguiram surfar a onda do oba-oba. Alguns deles, certamente você conhece e/ou desprezou à primeira vista, mas permita-me chamar a sua atenção para algo digno de nota neles. Segui a regra da Academia segundo a qual o filme precisa ter estreado nos EUA em 2017, o que deixa um dos melhores do ano, Era o Hotel Cambridge, de fora.

E o Não É o Oscar 2018 vai para…

Filme: Lady Macbeth, de William Oldroyd. Baseado em novela do russo Nikolai Leskov, esta história de amor, sordidez e morte é tão suja quanto os melhores filmes noir da década de 40. A diferença é que a femme fatale da vez é também uma esposa reprimida e abusada até o limite, como era de praxe na Inglaterra do século XIX. Há mais camadas do que se supõe neste pequeno grande filme, perfeito do elenco à parte técnica. (iTunes, Google Play)

Diretor: Olivier Assayas, por Personal Shopper. Lidar com desafios técnicos é uma coisa, mas equilibrar mudanças de tom num filme do qual não se sabe para onde vai é muito mais traiçoeiro. Este drama premiado do veterano diretor francês, jamais indicado ao Oscar, vira mistério e terror sobrenatural sem perder a pose nem a atuação magnética de Kristen Stewart. (iTunes, Google Play, Telecine Play)

Ator: James McAvoy por Fragmentado, de M. Night Shyamalan. Múltiplas personalidades já deram um Oscar a Joanne Woodward (As Três Máscaras de Eva, 1957). McAvoy e suas 24 identidades (com a direção impecável de Shyamalan) são o que bota para funcionar a história descabelada. (iTunes, Google Play, Telecine Play, DVD e Blu-ray)

Atriz: Salma Hayek por Beatriz at Dinner, de Miguel Arteta. Este foi um dos 10 melhores do ano nos EUA segundo o National Board of Review. É esquisito que não tenha data de estreia por aqui. Hayek fascina como a curandeira que entra em confronto com um milionário mau caráter (John Lithgow) durante um jantar na melhor tradição de comédias desconfortáveis.

Atriz Coadjuvante: Betty Gabriel, por Corra! de Jordan Peele. Esta sátira à dinâmica racial norte-americana colecionou vários prêmios, mas Gabriel foi estranhamente esquecida. Em poucos segundos, ela consegue expressar pânico enquanto o rosto diz o contrário. Tudo isso apenas com os olhos, uso mínimo dos músculos faciais e a modulação de voz. (iTunes, Google Play, DVD e Blu-ray)

Ator Coadjuvante: Barry Keoghan, por O Sacrifício do Cervo Sagrado, de Yorgos Lanthimos. Keoghan tem um pequeno mas crucial papel em Dunkirk. Porém, é como o adolescente que serve de anjo exterminador nessa versão moderna do mito grego de Ifigênia (vencedora do prêmio de roteiro em Cannes) que ele mostra do que é capaz.

Maquiagem: Barrie Gower, Sharon Martin e outros, por A Cura, de Gore Verbinski. O terror subestimado do ano tem um trabalho de fôlego, que vai do sutil (a ênfase em corpos flácidos e decadentes) ao espetacular (a melhor tirada de máscara desde Vincent Price em Museu de Cera). Como Corra!, A Cura é uma sátira a aspectos da sociedade contemporânea –– neste caso, o abismo entre classes sociais e a busca da imortalidade pelo 0,001%. A equipe de Gower e Martin captura, no melhor estilo grand guignol, a feiúra por trás dos rostos sorridentes e fachadas saudáveis dos novos donos do mundo, tão parecidos com os antigos.  (Infelizmente, o trailer abaixo não mostra quase nada pois spoilers.) (iTunes, Google Play, Telecine Play, DVD e Blu-ray)

Montagem: Kenji Yamashita, por Blade of the Immortal, de Takashi Miike. Nada — nada — supera a dinâmica montagem da aventura de samurais de Miike, baseada no cultuado mangá de Hiroaki Samura. Muito editor de filmes de ação podia observar como Yamashita faz para manter o ritmo sem que o espectador se perca na geografia da cena. Minha katana está desembainhada para cuidar das línguas discordantes.

Fotografia: Mandy Walker, por Depois Daquela Montanha, de Hany Abu-Assad. A australiana Walker não é nenhuma novata em paisagens da natureza selvagem (Tracks, Austrália). Aqui, ela filmou em temperaturas quase sempre abaixo de zero, em tempo às vezes miserável, mantendo sempre a luminosidade deslumbrante para essa aventura de sobrevivência nas montanhas com Kate Winslet e Idris Elba. O resultado é hipnótico. (iTunes, Google Play, DVD e Blu-ray)

Direção de arte: Philip Messina (desenho de produção), Isabelle Guay e Robert Parle (direção de arte), Larry Dias e Martine Kazemirchuk (cenografia), por Mãe! de Darren Aronofsky. O filme que foi massacrado por metade dos espectadores e críticos do universo, muitos dos quais não perceberam que se tratava de uma adaptação da Bíblia inteira. Mesmo que você se inclua entre os que odiaram o que viram, há que admitir que não deve ter sido fácil condensar todas as alegorias do Velho e do Novo Testamento numa casa rural. Todo o trabalho cenográfico fica bem à vista no apocalíptico fim de Mãe!, em que cada aposento é aproveitado e revirado do avesso com épica criatividade. E você nunca se esquecerá da pia, é claro. (iTunes, Google Play, DVD e Blu-ray)

Roteiro Adaptado: Brian Selznick, do próprio livro (Wonderstruck), por Sem Fôlego, de Todd Haynes. Esta charmosa fábula moderna, contada em paralelo em duas épocas (1977 e 50 anos antes) passou despercebida por aqui, mas arranca um sorriso enorme dos lábios e uma bela atuação coadjuvante de Julianne Moore.

Empate com: John Hodge, por T2 Trainspotting, de Danny Boyle, baseado nos livros Porno Trainspotting, de Irvine Welsh. O que parecia mais um trambique de viciados e ex-viciados em drogas, como no filme, teve não pouco êxito como um exame da meia-idade dos personagens do clássico de 1996. Hodge conseguiu escrever uma continuação que tem vida própria ao mesmo tempo em que aponta um espelho não pouco incômodo aos fãs do original. Poucos diálogos foram tão afiados quanto os dele em 2017. (iTunes, Google Play, DVD e Blu-ray)

Roteiro Original: David Lowery, por Ghost Story. Sem data de estreia no Brasil, essa é uma historia tão simples quanto profunda: um fantasma, completo com lençol branco, volta para tentar retomar contato com a viúva. Que o espectador não ria da premissa em nenhum momento é prova da qualidade da história de amor e perda do roteirista-diretor Lowery (Meu Amigo o Dragão e Amor Fora da Lei).

Documentário: 78/52, de Alexandre O. Philippe. São as 78 tomadas e os 52 cortes mais famosos da história do cinema: a sequência do chuveiro em Psicose, de Alfred Hitchcock. Um documentário inteiro sobre isso pode parecer a coisa mais chata do mundo, mas o filme é um misto de caixinha de surpresas e aula de cinema até para quem está pouco se importando com o que acontece atrás das câmeras. (Netflix)

Filme Estrangeiro: 120 Batimentos por Minuto, de Robin Campillo. A categoria de filme estrangeiro é sempre tão forte que não tem como não ser injusta. Neste ano, o esquecido foi este drama, Prêmio do Júri em Cannes e ganhador serial do César francês, sobre a luta de ativistas por providências do governo francês durante a epidemia de AIDS na década de 90. Prepare-se para ciscos nos olhos.

Trilha Sonora: Nick Cave e Warren Ellis, por Terra Selvagem, de Taylor Sheridan. Mais um policial com forte crítica social de Sheridan, valorizado pelas composições evocativas de Nick Cave (também fornecendo a voz) e Warren Ellis, uma dupla cuja omissão nos Oscars já começa a se tornar embaraçosa.

Canção: “Futile Devices”, de Sufjan Stevens, para Me Chame pelo Seu Nome, de Luca Guadagnino. Dadas muitas opções aos membros da Academia, a chance de errar são grandes —no caso, escolheram o Sufjan Stevens errado, “Mystery of Love”. “Futile Devices” traduz melhor o tema do filme. Empate com “What He Wrote”, de Laura Marling, para Corpo e Alma, de Ildikó Enyedi. OK, não é original para o filme, mas é o melhor uso de uma canção de qualquer filme do ano, mesmo que você não seja fã de Marling.

Bônus:

Hall da Fama do Oscar Não-Ficção: David Niven e o peladão na cerimônia de 1974.

Hall da Fama do Oscar Ficção: Frank Drebin (Leslie Nielsen) frustra um atentado durante a cerimônia em Corra que a Polícia Vem Aí 33 1/3.

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Sugestão de design para a estatueta.


É sempre bom lembrar que basta ser dado para que todo prêmio, por mais alternativo que seja, torne-se tão injusto quanto os outros. Por isso, não deixe de escrever para revistasalsaparrilha@gmail.com expressando toda a sua indignação (sem dedo no olho nem ofensa materna) pelas omissões aqui e oferecendo suas próprias opções. Se não é o Oscar, há lugar para todos. Siga-nos aqui no Medium, no Twitter e no Facebook.

 

Sobre Mauricio Sellmann (17 artigos)
A metade mais problemática da Revista Salsaparrilha.

1 comentário em Prêmio “Não É o Oscar” 2018

  1. Porreta! Seus artigos estão cada vez mais bem elaborados,produzidos sobre pesquis de qualidade.Têm, também, um positivo lado instrutivo. Muito bom!

    Curtido por 1 pessoa

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